20061008

ADEUS

------------------------------------------------------------
"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo
menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio
e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.


Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo
em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo
em que os meus olhos;
eram realmente peixes verdes.
Hoje são
apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,

uns olhos como todos os outros.

gastámos as palavras.
Quando agora digo:
meu amor,
já não se passa
absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome

no silêncio do meu coração.

Não temos já nada
para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado
é inútil como um trapo.
E já te disse:
as palavras estão gastas.

Adeus. "
-----------------------------------------------------------
É isto que eu procuro nas pessoas...a genuidade de saber dizer as coisas por outras palavras.Podem ler este poema de Eugénio de Andrade de 3 (três) + 1 (uma) maneiras diferentes:
1- O poema completo sem ligar às cores
2- Apenas o VERDE da relva
3- Apenas o AZUL do céu
+
1- Como vos apeteça